O charque (ou seca, carne-do-sertão, xergão, chalona, xarqui, jabá e paçoca), assim como o brigadeiro, a caipirinha e o carnaval, é um produto típico do Brasil. E brasileiro adora se gabar dessas coisas, né? =)
A origem do nome charque vem do dialeto quíchua xarqui, língua dos índios que habitavam a região dos Andes. É típico da região Sul, mas muito produzido também no sertão nordestino. E se você conhece o Jerky, tanto a técnica como o nome vieram do nosso charque.
O charque é produzido através da salga e secagem de cortes de carne bovina. As mantas de carne são empilhadas em lugares secos e são constantemente mudadas de posição para facilitar o processo de evaporação da água. Depois, são estendidas em varais ao sol para completar a evaporação. É usada uma grande quantidade de sal, em comparação à carne de sol. Através dessa técnica, a carne se conserva por até 3 meses fora de refrigeração.
O charque possui um papel de extrema importância na culinária e também na história e economia brasileiras, pois viabilizou a expansão da criação de gado e a fixação dos habitantes na zona rural. Foi alimento de escravos, da população mais pobre, trabalhadores do campo que se fixaram longe dos grandes centros comerciais. Além disso, é uma grande fonte protéica. Até hoje, há o hábito na zona rural do consumo de carnes secas.
Como não havia eletricidade para toda a população até um tempo atrás, a salga era uma forma de conservação de alimentos bastante difundida. Além disso, o uso desses procedimentos de conservação surgiu com a necessidade de transporte de alimentos muito perecíveis por longos períodos. E até algumas décadas quase ninguém possuía geladeira em casa.
Mesmo utilizando essa técnica rudimentar, o charque continua sendo um ótimo produto cárneo, muito saboroso e com diversas aplicações culinárias.
Secagem e Salga
A secagem (ou desidratação) é um processo que extrai parcialmente a umidade dos alimentos, aumentando sua vida útil. Essa secagem pode ser feita através do sol ou de estufas aquecidas. Já a salga é um processo desidratante que age na destruição ou inibição de crescimento de microorganismos.
Os cortes possuem tamanho uniforme e seguem os processos de salga úmida, salga seca, lavagem, secagem (ao sol ou em estufas) e empacotamento. Geralmente é utilizada a ponta de agulha, mas é bem comum encontrar charque de ótima qualidade usando o coxão duro. Possui teor de umidade entre 44% e 45% e teor de sal entre 12% e 15%. Embalado á vácuo, possui uma durabilidade maior.
Para seu consumo, o charque deve ser dessalgado em água por várias horas, geralmente de um dia para o outro, sob refrigeração. Depois, a carne é escalfada, fazendo a troca da água de duas a três vezes, eliminando o excesso de sal.
Escondidinho de charque
O escondidinho é um prato muito comum no Nordeste. Em qualquer barzinho nas capitais nordestinas é fácil encontrar essa iguaria. O consumo de macaxeira é hábito por essas bandas, assim como o charque. E vamos combinar que os dois fazem um casamento perfeito =)
Para fazer um escondidinho, você vai precisar de:
600g de charque de primeira
1,5kg de macaxeira
1 cebola
2 dentes de alho
1 colher de sopa de manteiga
Coentro e cebolinho qb
Sal e pimenta qb
Primeiro, a dessalga do charque, que deve ser feita de véspera. Se a dessalga for boa, nem precisa escalfar a carne. Prove antes de usá-la (crua mesmo) pra testar o sal.
Se você tiver um processador, passe a carne para picar. Se você não tiver, pode tentar um liquidificador, mas muito cuidado, talvez fique desfiado demais. Se quiser fazer da forma roots, frite a carne e depois desfie com as mãos.
No caso da carne ainda crua passada pelo processador ou liquidificador, refogue a cebola e o alho em azeite, acrescente a carne e deixe cozinhando. Muito provavelmente ela soltará um pouco de água, já que passou pela dessalga e foi reidratada. Mas é só deixar a panela destampada que a água seca rapidinho. Adicione o coentro e o cebolinho e mexa até a carne cozinhar (não deixe cozinhar demais senão fica borrachuda). Reserve.
Cozinhe a macaxeira com bastante água e sal por aproximadamente 1h. Se a macaxeira for boa, ela vai ficar molinha antes disso e você pode ir testando com um garfo. Depois de cozida, corte-a na metade no sentido do comprimento, retire aquele fiapinho que fica no meio da macaxeira e machuque bem, usando um garfo e toda a força dos seus músculos do braço. Vá adicionando aos poucos manteiga no processo, pois ajuda a amolecer. Se quiser, pode colocar uma ou duas colheres de sopa de creme de leite pra ajudar a deixar a pasta mais cremosa, mas é dispensável.
Depois que você obtiver uma pasta firme mas cremosa, vá montando numa travessa refratária o seu escondidinho. Você pode tanto colocar uma camada de macaxeira no fundo, colocar o charque no meio e fechar com mais macaxeira; pode colocar o charque no fundo e cobrir com macaxeira ou pode simplesmente fazer uma mistureba dos dois (como eu fiz). Todas as formas são ótimas, vai depender da apresentação que você deseja pro seu escondidinho.
UPDATE: a @catarinacristo deu uma dica ótima nos comentários pra desfiar a charque e, de quebra, ainda dessalgar de forma rápida. Pra aqueles dias em que você tem pressa de comer escondidinho =)
Ela não dessalga a carne de véspera: põe dentro da panela de pressão por 1h com bastante água. Pelo tempo longo que fica na pressão, além de cozinhar bastante até ficar desfiando, o sal também sai. Depois fica bem fácil de desfiar e aí frita com a cebola e o alho. Ótima dica.